No dia 23 de junho, o governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), defendeu publicamente, em entrevista ao UOL, a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Em sua fala, criticou o que chamou de “visão romântica” sobre a Amazônia e apontou o petróleo como solução para a pobreza extrema que atinge seu estado. No entanto, o discurso revela mais do que uma tentativa de enfrentar a miséria: escancara uma perigosa aposta em velhos modelos de desenvolvimento que contrariam a urgência climática global e ignoram alternativas sustentáveis já ao alcance.
A defesa de Clécio parte da premissa de que é preciso romper com o idealismo ambiental para permitir o avanço econômico. Para ele, o petróleo seria uma “alavanca” capaz de financiar a preservação ambiental e fortalecer instituições como o Ibama e o ICMBio. É uma inversão lógica: usar uma das atividades mais nocivas ao meio ambiente como solução para salvá-lo.
O argumento esbarra na realidade técnica e científica. Mesmo em fase de prospecção, a exploração de petróleo representa riscos profundos à biodiversidade marinha e costeira da foz do Amazonas — uma das mais sensíveis e mal estudadas do mundo. Derramamentos acidentais, que não são hipótese, mas uma estatística recorrente no setor, poderiam comprometer ecossistemas inteiros, ameaçar espécies únicas e impactar comunidades pesqueiras e ribeirinhas que há séculos convivem com a floresta em regime de equilíbrio.
Ao dizer que “população pobre não preserva floresta”, o governador subestima a rica tradição dos povos amazônicos em proteger seus territórios, mesmo diante da negligência histórica do Estado. São justamente essas comunidades — indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares — que têm sustentado a floresta em pé, mesmo sem os recursos prometidos por sucessivos governos. O que falta não é petróleo, mas políticas públicas integradas: acesso à saúde, educação, saneamento, tecnologias limpas e crédito para a bioeconomia.
A tentativa de deslegitimar a “romantização” da Amazônia ignora que não se trata de fantasia, mas de reconhecimento científico e ético da importância estratégica da floresta para o equilíbrio climático planetário. Preservar a Amazônia não é um capricho ambientalista — é um imperativo civilizatório.
Por fim, a retórica da “soberania energética” esconde a dependência de um modelo fóssil em colapso. Enquanto o mundo investe pesado em fontes renováveis, a aposta brasileira no petróleo na Amazônia nos empurra na contramão da história. A transição energética justa não virá do aprofundamento da lógica da devastação, mas da valorização de modelos regenerativos, descentralizados e sustentáveis.
O Amapá precisa, sim, de investimentos robustos, e seus indicadores sociais alarmantes exigem respostas urgentes. Mas essas respostas não podem passar pela destruição daquilo que nos resta de mais valioso: a vida em sua forma mais complexa e abundante. A escolha é clara: ou investimos na floresta viva, com sua gente viva, ou aceitaremos mais uma vez a promessa de um desenvolvimento que nunca chegou — e que agora, literalmente, ameaça afundar a esperança num mar de petróleo.
João Bosco Campos é Jornalista, Administrador, Eng. Agrônomo, Analista, auditor e perito ambiental, escritor, poeta, conferencista, palestrante, cronista.