Etarismo, uma palavra diferente para um problema tão antigo e que, embora afete tanto homens quanto mulheres, o público feminino é o alvo mais frequente dessa forma de preconceito.
Quando jovens, vistas como imaturas e inexperientes. Muitas vezes subestimadas em nossas habilidades e desconsideradas em nossas contribuições. Quando envelhecemos, somos consideradas ultrapassadas e obsoletas, nossas opiniões são ignoradas ou minimizadas e nossas escolhas de vida são frequentemente julgadas, desencorajadas e até mesmo ridicularizadas por sermos “velhas demais” para determinadas atividades ou posições na vida.
Nova demais para ser chefe, velha demais para ser mãe, nova demais para casar, velha demais para usar roupa curta, “nova demais para ser velha, velha demais para ser nova”. E assim, essa imposição de idade ideal criada num imaginário carrasco de uma sociedade de julgamento livre sem medir consequências, induz a uma série de inseguranças e frustrações, prejudicando a autoestima e o bem-estar emocional de tantas mulheres incríveis que são tolhidas e cobradas constantemente para estarem em um determinado estágio da vida que corresponda ao que é considerado “adequado” para sua faixa etária.
E assim cada vez mais saem registros como a da Claudia Raia sendo chamada de “avó do próprio filho”, da Eliana sendo taxada de velha e pedindo socorro em forma de manchete de capa com “me deixem envelhecer em paz”, da Xuxa elucidando em revista renomada “quando falam que estou velha, digo que sei, tenho espelho em casa” e até mulheres comuns, como nós, que viram notícia por sofrer bullying por ser considerada “velha demais” para entrar na faculdade. Até quando?
Como médica dermatologista, tenho presenciado constantemente o impacto do etarismo na vida de minhas pacientes, em sua grande maioria mulheres. É triste constatar que, em pleno século XXI, ainda enfrentamos a cruel realidade de que a idade é um fator determinante para a maneira como somos percebidas e tratadas pela sociedade.
A verdade é que a questão do etarismo não se resume apenas à aparência física, mas se estende às mais diversas áreas da vida, como o trabalho, estudos, os relacionamentos e até mesmo a maternidade. Devo confessar que também sou alvo desse preconceito, tanto como velha demais quanto como nova demais. Na vida profissional, ainda que eu tenha dedicado anos de estudos e trabalho árduo para conquistar um alto grau de especialização em minha área, há sempre uma primeira desconfiança em relação à minha competência, e olha que apenas aparento ser levemente mais jovem do que minha idade real, como se idade cronológica fosse um termômetro de autoridade e credibilidade. O próprio fato de ser mulher e isso ainda não ser visto com naturalidade em altos cargos ou funções de liderança também é uma constante, mas este é assunto para outro artigo. A cobrança e julgamento por ainda não ter filhos aos 34 anos e até por ser velha demais para realizar outros sonhos também me acompanham. Parece que, aos olhos da sociedade, nunca estamos na “idade certa” e enfrentamos cobranças relacionadas a esse tema em todos os estágios de nossas vidas. Que atire o primeiro batom a mulher que nunca passou por isso.
Infelizmente, essa pressão e cobrança por uma idade ideal pode ser extremamente desgastante e prejudicial, fazendo com que nós mulheres, em muitos momentos, nos sintamos inadequadas e inseguras em relação às escolhas e trajetórias de vida mesmo que estejamos trilhando caminhos idôneos. Por isso, é fundamental que a sociedade se conscientize e deixe de impor esses moldes de idade, permitindo que as mulheres vivam suas vidas de acordo com suas próprias escolhas, propósitos e necessidades. É imprescindível que se crie um ambiente em que a competência, o conhecimento e a experiência sejam valorizados em detrimento da idade cronológica.
Acredito que a educação e o diálogo são fundamentais para que possamos desconstruir padrões opressores e começar a enxergar as mulheres de forma mais ampla e plural. Devemos valorizar as experiências e contribuições de todas, independentemente de sua idade, aparência física ou posição social, afinal, cada fase da vida tem suas belezas e desafios, e devemos aprender a apreciá-las em sua plenitude.
Que possamos, como sociedade, caminhar em direção a um futuro onde todas as pessoas sejam valorizadas pelo que são, tenham a liberdade de ter sua própria jornada, seu próprio tempo, e que isso não seja motivo de crítica ou pressão, pois, como podemos ser livres para ser quem somos quando estamos constantemente sendo julgadas e rotuladas? Precisamos, juntos acabar com essa ideia de “idade certa” e construir uma cultura mais inclusiva e empática que celebre a diversidade e a diferença, onde todas as mulheres se sintam seguras e valorizadas, que o discurso de sermos fortes seja um direito e não uma necessidade, onde cada pessoa possa escolher como quer contar sua biografia, escrever sua história, seu próprio tempo e ritmo, pois não há uma única maneira correta de viver a vida.
Como mulher, médica e defensora dos direitos das mulheres, encorajo a liberdade de escolha e a igualdade de oportunidades para todas as mulheres, independentemente de quantas velas você assoprou no último aniversário. Enquanto eu puder ter lugar de fala, espero contribuir para expor esses percalços, que de tão corriqueiros se tornam invisíveis, e promover essa mudança de perspectiva, mesmo que seja apenas plantando uma sementinha de transformação dentro de cada pessoa que ler essas palavras, em prol de um mundo mais justo, respeitoso e inclusivo para todas nós.
*Aline Monçale é Médica Dermatologista pela Universidade Federal de Roraima e Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado – Amazonas. Mestre em Saúde Coletiva pela UFMT. Atua na rede pública e particular em Cuiabá, Várzea Grande, Campo Verde e Jaciara. Recentemente, foi eleita Miss Beleza de Cuiabá 2023.